NewsBiotecnologia? Bioeconomia? E quando se juntam e ficam azuis?

Biotecnologia? Bioeconomia? E quando se juntam e ficam azuis?

Portugal é um país oceânico, com uma linha de costa de cerca de 2 mil e 500 km, contando com uma das maiores zonas económicas exclusivas do mundo que se estende por um milhão e 700 mil km2, incluindo uma grande diversidade de ecossistemas e de recursos1. O CoLAB B2E nasce para potenciar, mostrar as melhores ferramentas para lapidar este diamante azul. Mas, as perguntas que mais nos colocam são: “o que é a biotecnologia azul?” ou “o que é a bioeconomia azul?” Esperamos que este breve texto explique resumidamente estes conceitos.

O que é a Biotecnologia (Azul)?

A palavra Biotecnologia tem origem grega, onde Bio significa vida; tecno, técnica; e logia, conhecimento ou estudo2. Existem várias definições para biotecnologia, a que escolhemos para esta introdução foi a usada pela Organização das Nações Unidas (ONU), na Convenção de Biodiversidade 19923: “Biotecnologia significa qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos, organismos vivos, ou seus derivados, para fabricar ou modificar produtos ou processos para utilização específica”.

As primeiras manifestações de biotecnologia remontam a largos milhares de anos, aos processos de fermentação para produção cerveja (e outras bebidas alcoólicas) e para o fabrico de pão assim como queijo, vinagre e iogurte. Atualmente, a indústria de biotecnologia estende-se a vários setores, que incluem o farmacêutico, alimentar, ambiental, entre outros4.

A biotecnologia azul é construída sobre os mesmos princípios científicos e tecnológicos que outros campos da biotecnologia, mas a fonte, o processo e/ou o produto final é aquático1.

A biotecnologia marinha utiliza organismos marinhos vivos para criar aplicações em setores diversificados como saúde, indústria (têxtil e química), energia e agricultura1.

O que é a Bioeconomia Azul?

Para a definição de bioeconomia ainda não há consenso. De uma perspetiva económica ampla, conforme preconizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, trata-se do “conjunto de atividades económicas relacionadas com a invenção, desenvolvimento e produção de produtos e processos biológicos”5.

A bioeconomia surgiu como um novo paradigma económico que supera os modelos tradicionais baseados em fósseis, é impulsionada por inovações biotecnológicas para garantir processos eficientes em termos de recursos e por modelos de negócios de economia circular que evitam o desperdício e mantêm os recursos em uso por maior tempo possível6. A bioeconomia tem vindo a fortalecer pontes entre ciência, indústria e sociedade para um maior equilíbrio entre questões socioeconómicas, geopolíticas e ambientais. Compreende, assim, o uso de recursos biológicos renováveis de ecossistemas terrestres e aquáticos e biorrecursos marinhos7– a Bioeconomia Azul.

A Comissão Europeia apresenta uma definição detalhada e estabelece ainda que a bioeconomia deve ser sustentável e circular. Para ter sucesso, a bioeconomia europeia deve ter a sustentabilidade e a circularidade no centro, impulsionando a renovação das indústrias, a modernização dos sistemas de produção primária, a proteção do meio ambiente e a conservação da biodiversidade8.

Quando a Biotecnologia e a Bioeconomia se juntam…

Impactos na Economia

Os setores emergentes de bioeconomia e biotecnologia azul olham para grupos de organismos marinhos que foram, até agora, frequentemente ignorados para exploração comercial. Isso inclui microrganismos (microalgas, bactérias e fungos), algas e invertebrados (por exemplo, estrelas pepinos ou ouriços do mar). A bioeconomia azul transforma biomassa aquática em alimentos, rações, produtos nutracêuticos, fármacos, cosméticos, energia, embalagens, roupas e muito mais. A biotecnologia azul é a aplicação da ciência e tecnologia aos organismos aquáticos vivos para a produção de conhecimento, bens e serviços9.

Em 2018, a economia do mar representou 5,1% do nosso produto interno bruto, 5% das exportações nacionais e 4% do emprego. Estes valores estão entre os mais altos nos Estados-membros da UE4.

A ciência, a inovação e a tecnologia assumiram um papel primordial para dar corpo a um tecido empresarial de base tecnológica e inovadora, com reforço do emprego qualificado. Entre 2014 e 2019, a despesa em I&D na economia do mar representou 3,6% do total das despesas de I&D nacionais (433,6 milhões de euros). As instituições do ensino superior representaram 64,4% deste valor, seguindo-se o Estado (20,7%), as empresas (14,7%) e as Instituições Privadas sem Fins Lucrativos (0,2%)1.

De acordo com as projeções da OCDE para 2030, a economia azul deverá ultrapassar o crescimento da economia global como um todo, quer em termos de valor acrescentado bruto, quer em termos de emprego6.

Atualmente em Portugal são cerca de duas dezenas de unidades de I&D que desenvolvem investigação na área da biotecnologia azul4 (e menos de 10% são entidades empresariais).

Áreas onde se salientam estas sinergias:

A biotecnologia azul afetou a bioeconomia usando uma abordagem de mercado para a ciência, onde identifica e responde aos desafios atuais enfrentados pelas partes interessadas da cadeia de valor e fornece soluções integradas que são adequadas para resolver esses desafios de forma sustentável1.

Saúde

Os extratos de organismos marinhos são usados como medicamentos há mais de 2 mil anos. Nos séculos XIX e XX, o óleo de fígado de bacalhau tornou-se um famoso suplemento nutricional. A exploração do oceano tem permitido identificar um número crescente de compostos bioativos a partir de organismos vivos marinhos. Vários medicamentos hoje comercializados são derivados de organismos marinhos. A biotecnologia azul é um setor especialmente promissor na área da saúde, prevendo-se o desenvolvimento de novos produtos farmacêuticos e nutracêuticos (por exemplo, para combater doenças oncológicas, bem como antibióticos, antivirais, analgésicos, dor, asma e inflamação), e outros com aplicações na estética como ossos de peixes bioprocessados ​​em colágenio de alto valor para produtos cosmecêuticos; escamas de peixes usadas para aplicações de engenharia de tecido ósseo11.

Indústria

Na indústria, alguns plásticos à base de petróleo podem ser substituídos por alternativas de origem biológica, enquanto as redes de pesca podem ser recuperadas e recicladas para fabricar têxteis para desporto1; e temos ainda a transformação de pele de peixe proveniente da indústria de processamento de pescado em produtos de moda12.

Os fertilizantes à base de algas marinhas permitem agora que a agricultura de precisão alcance colheitas sem precedentes de vários vegetais folhosos e frutas, com menores impactos ambientais, e tal acontece juntamente com os recursos marinhos emergentes.

Ambiente

No ambiente, estudos têm mostrado que os microrganismos marinhos exibem vias de biodegradação únicas para quebrar vários poluentes orgânicos. Outros estudos também mostraram que alguns organismos marinhos produzem produtos químicos ecológicos, como biopolímeros e biossurfactantes, que podem ser usados na gestão e tratamento de resíduos ambientais. Os biocombustíveis produzidos a partir de microalgas são uma das formas economicamente viáveis de reduzir o consumo de combustível fóssil13. As microalgas são consideradas melhores fontes de biocombustíveis do que plantas superiores, devido ao seu alto teor de óleo; a facilidade de propagação (pode ser cultivada em água do mar ou salobra, não competindo com os recursos da agricultura convencional); a biomassa residual após a extração do óleo pode ser usada como alimento ou fertilizante; e a composição bioquímica pode ser controlada pela modificação das condições de crescimento4.

Em suma

Os oceanos constituem um espaço riquíssimo em biodiversidade, possuindo as formas de vida mais antigas e mais diversas, distribuídas por uma ampla gama de habitats, desde o litoral até ao mar profundo.

Assim, o ambiente marinho é uma riquíssima fonte de diversidade biológica e química entre todos os tipos de ecossistemas. Tem uma enorme variedade de organismos vivos bem como compostos químicos únicos.

A bioeconomia azul biotecnológica deve ser realizada de forma sustentável, exigindo elevados investimentos e projetos. A biotecnologia marinha envolve a colaboração multidisciplinar para estimular o investimento e a inovação, assim como a aproximação da academia e da indústria.

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Referências:

1. Estratégia Nacional para o mar 2021-2030, República Portuguesa. 2021.

2. Oxford Dictionaries. 2022.

3. ONU, Convenção de Biodiversidade 1992, Art. 2. 1992.

4. Álvaro Sardinha | EconomiaAzul. Projeto INOVSEA. 2021

5. OECD (2018) Meeting Policy Challenger for a Sustainable Bioeconomt. OECD Publishing, Paris. http://dx.doi.org/10.1787/9789264292345.

6. Helena Vieira, Miguel Costa Leal, Ricardo Calado  Fifty Shades of Blue: How Blue Biotechnology is Shaping the Bioeconomy. Trends in Biotechnology. Volume 38, Issue 9, September 2020, Pages 940-943. https://doi.org/10.1016/j.tibtech.2020.03.011. 2021.

7. Ligtvoet, A., Maier, F., Sijtsma, L., van den Broek, L. A. M., Doranova, A., Eaton, D., Guznajeva, T., Kals, J., Le Gallou, M., Poelman, M., Saes, L., & Zhechkov, R. Blue Bioeconomy Forum: Roadmap for the blue bioeconomy. European Commissionhttps://doi.org/10.2826/613128. 2019.

8. European Commission . Innovating for Sustainable Growth: a Bioeconomy for Europe. Bruxelas. Directorate-General for Research and Innovation. Publications Office of the European Union ISBN 978-92-79-25376-8. https://doi.org/10.2777/6462. 2012.

9. Comunicação da comissão ao parlamento europeu, ao conselho, ao comité económico e social europeu e ao comité das regiões. Uma bioeconomia sustentável na Europa: Reforçar as ligações entre a economia, a sociedade e o ambiente. 2018.

10. European Commission. Blue bioeconomy and blue biotechnology. URL:https://ec.europa.eu/oceans-and-fisheries/ocean/blue-economy/blue-bioeconomy-and-blue-biotechnology_en. 2016.

11. OECD. The Bioeconomy to 2030 – DESIGNING A POLICY AGENDA. 2009.

12. Kara A, Tamburaci S, Tihminlioglu F, Havitcioglu H. Bioactive fish scale incorporated chitosan biocomposite scaffolds for bone tissue engineering. Int J Biol Macromol. 2019 Jun 1;130:266-279. doi: 10.1016/j.ijbiomac.2019.02.067. Epub 2019 Feb 20. PMID: 30797008. 2019.

13. Mallon, J. Is fish skin the new frontier for ecofriendly fashion? Fashion United. Published online November 5, 2019. https://fashionunited.uk/news/ fashion/is-fish-skin-the-new-frontier-for-eco-friendlyfashion/ 2019110546042. 2019. 2019

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