Sem categoriaTambém viu o Seaspiracy? Antes de deixar de consumir pescado, pare, escute e olhe

Também viu o Seaspiracy? Antes de deixar de consumir pescado, pare, escute e olhe

Como a maioria dos documentários controversos, o Seaspiracy tem dado origem a notícias e a artigos de opinião um pouco por todo o mundo. Com milhões de visualizações, a resposta passa essencialmente por duas abordagens: de um lado, os que põem em causa práticas do setor e defendem que deixemos de consumir peixe, e do outro, os que alertam “pare, escute, olhe” – a história contada está incompleta e, nalguns casos, apresenta dados incorretos.

Com todo o mérito pela defesa do oceano e pela necessidade de repensar vários processos e estratégias (por parte da indústria), parar de consumir peixe, nomeadamente de aquacultura, tem como resultado – desastroso – o aumento exponencial da pressão sobre outras formas de produção de alimentos de fonte proteica (animal ou vegetal).

Seremos quase 10 biliões de humanos até 2050 e, sem consumirmos pescado nem carne, (olá, Cowspiracy), já imaginou quantos quilos de plantas serão necessários para nos alimentarmos e qual o volume de recursos naturais (terrenos, água, agroquímicos, mesmo em produção biológica são admitidos alguns), exigidos para esta produção?

Mas então, o que sugerimos depois de ver o documentário? (disponível aqui).

PARE – Antes de ir na onda e seguir a ideia de que parar de consumir pescado é a solução.

ESCUTE – Os prós e os contras, incluindo os dados científicos de fontes credíveis e independentes.

Alguns exemplos que consideramos de extrema pertinência estão disponíveis no artigo de Pedro Carvalho, nutricionista, no Público e dos quais destacamos:

“A aquacultura não é a solução, mas um problema ainda maior.”

Falso. Sabia que a aquacultura fornece já mais de metade do peixe consumido em todo o mundo? Quer isto dizer que é essencial para reduzir a pressão sobre a pesca selvagem, permitindo a manutenção e / ou recuperação de stocks.  

“Os oceanos ficarão sem peixe até 2048.”

Falso. E se lhe dissermos que graças a um trabalho conjunto da ciência, pescas e organizações do setor, os stocks de pescado em monitorização têm aumentado?

Ao mesmo tempo, é urgente repensarmos as nossas necessidades efetivas e redirecionarmos a procura, um poder que todos nós, consumidores, detemos. Pode isto passar pela aposta em produtos de aquacultura e pesca, com certificação e de origem local ou nacional.

Por outro lado, para quem como nós, (somos uma associação sem fins lucrativos para a promoção da bioeconomia azul), trabalha na área e tem uma visão no âmbito da Literacia dos Oceanos, é unânime que se perdeu uma oportunidade de mostrar o que já está em curso e o que pode ser feito. Além da certificação e da origem dos produtos, a legislação e regulamentação para o bem-estar animal, a segurança alimentar, a aposta em inovação, entre outros aspetos, fazem toda a diferença. E é nesta tónica fulcral que o documentário falha.

A origem importa – a economia azul em Portugal

Como refere Priscila Silva, bióloga, Vi o Seaspiracy. E agora? (também no Público), dentro das pescas, o segredo é diversificar: “procurem espécies pescadas na nossa costa, pelos nossos pescadores. Explorem receitas e deixem-se maravilhar pelos atributos do nosso peixe fresco. Afinal, não precisamos (tanto) de salmão, bacalhau ou pescada como pensamos.”

Apesar de considerado pequeno em dimensão e população, Portugal é um país de peso na bioeconomia azul, pois somos o maior consumidor de pescado da Europa e o terceiro maior do mundo, com quase 60 kgs per capita. A pesca é uma atividade tradicional que “contribui direta e indirectamente para o emprego e rendimento destas comunidades onde as oportunidades de trabalho são mais restritas. Existem, aproximadamente 160 portos de pesca em todo o país, nos quais são desembarcadas capturas de 3902 embarcações. Dessas embarcações, cerca de 90% têm um comprimento inferior a 12 metros, considerada pesca de pequena escala ou artesanal.”

No entanto, importamos grande parte do peixe que consumimos. Isto deve-se, em parte, porque escolhemos levar para a nossa mesa espécies mais tradicionais como o bacalhau, atum, pescada, entre outras. Isto, apesar de capturarmos cerca de 200 espécies diferentes. “Resumindo”, como diz Priscila Silva, “consumimos muito pouco daquilo que o nosso mar nos dá e o que pescamos não nos chega, o que tem consequências ambientais (como a sobrepesca) e económicas (importação).”

Além destes artigos, sugerimos, por exemplo:

Sem rosto nem voz: o Seaspiracy desumaniza o setor da aquacultura

Seaspiracy. Não vou deixar de consumir peixe

As soluções que o  “Seaspiracy” deixou escapar

OLHE – Por fim, analise toda a informação recolhida, o que defendem especialistas do setor, desde cientistas, a entidades oficiais ou ONG independentes, bem como médicos ou nutricionistas. Estará então a postos para fazer as suas escolhas, de forma informada, ponderada, seguindo os critérios que lhe fizerem sentido, incluindo os racionais – que passam pelo conhecimento e pela carteira, e os emocionais – que passam pelos valores, pelo paladar e preferências gastronómicas, desde a memória gustativa à procura de novas sensações 😊.

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