Sem categoriaDietas sustentáveis para aquacultura: como pode a biotecnologia ajudar neste equilíbrio desafiante

Dietas sustentáveis para aquacultura: como pode a biotecnologia ajudar neste equilíbrio desafiante

É inegável: vivemos num mundo de recursos limitados. Na nutrição animal, desde a implementação de estratégias de economia circular até à melhoria da utilização de nutrientes, todos os dias somos desafiados a fazer mais com menos. Como alimentar a população crescente, usando animais criados de forma sustentável, sem comprometer os ecossistemas?

A indústria das dietas para aquacultura, que tradicionalmente utilizam farinha de peixe (FP) e óleo de peixe (OP) de pescas direcionadas – recursos considerados insustentáveis ​​– enfrenta há muito esse desafio. Nas últimas duas décadas, trabalhámos para usar ingredientes de origem vegetal para substituir FP e OP, mas estávamos a substituir um problema por outro. Os ingredientes vegetais são fundamentais para os setores da alimentação humana e animal, e o que é direcionado para dietas aquícolas geralmente é resultado de processos de extração para outras indústrias (por exemplo, o óleo de soja é usado para cozinhar e a proteína deixada no processo de extração é usada em alimentos para animais), mas são frequentemente produzidos em monocultura, usando intensivamente a terra e os recursos hídricos e resultando em desflorestação (e.g., perda de floresta tropical) – em suma, também insustentável.

Entretanto, a Europa enfrenta uma escassez de proteínas, tendo que importar mais de 70% da proteína1 para alimentação humana e animal (incluindo proteína vegetal!). Um setor aquícola resiliente será capaz de reduzir a escassez de proteínas a nível local e regional, mas isso nunca deve ocorrer em detrimento da sustentabilidade ambiental, nem devemos trocar as importações de produtos da aquacultura por importações de ingredientes para alimentação animal, especialmente neste momento, quando enfrentamos problemas críticos nas cadeias de abastecimento. Então, que opções restam?

Bastantes, de facto! Embora eu seja a primeira a admitir que nenhuma é perfeitamente adequada, nem acredito que haverá UMA solução certa. Devemos manter as nossas opções abertas e diversificadas.

A solução pode ser misturar e combinar

As alternativas mais fáceis de implementar já estão no mercado há algum tempo. São gorduras e proteínas produzidas a partir de coprodutos da agroindústria, seja FP e OP de coprodutos das indústrias de conservas e pesca, ou da produção de animais terrestres (matadouros de aves e suínos). Estes ingredientes são geralmente altamente digeríveis para os peixes e alternativas bastante sustentáveis ​​aos ingredientes mais tradicionais. Além disso, são produzidos localmente, o que reduz a pegada de carbono associada ao transporte de matérias-primas, bem como agiliza as cadeias de abastecimento. Mas existem outras alternativas.

Recentemente, várias espécies de insetos foram aprovadas para alimentação aquática, e aqui ainda temos espaço para crescer. A indústria mundial de insetos aumentou 30 vezes em todo o mundo2, estimando-se que valha 3 350 milhões de euros até 2027, com uma Taxa de Crescimento Anual Composta prevista de 23% para o mesmo período3. Quando coprodutos agroalimentares são usados ​​como substrato, a Análise do Ciclo de Vida mostra que as farinhas de insetos são realmente mais benéficas do que farinha de peixe e soja4. Assim, a crescente tração da indústria de insetos no mercado pode contribuir, em certa medida, para uma futura redução das importações de ingredientes menos sustentáveis, promovendo um fornecimento estável de proteína em toda a Europa através dos princípios da economia circular, alimentando os insetos com coprodutos da agricultura local. Há resultados promissores do uso de farinha de insetos em dietas para aquacultura5, no entanto, atualmente esses ingredientes ainda são muito caros quando comparados com a farinha de peixe, e isso só deixará de ser o caso quando a indústria crescer.

A produção local parece ser uma das principais características que um ingrediente sustentável deve possuir, e as proteínas unicelulares parecem ser as melhores candidatas. A proteína unicelular é fornecida através do cultivo de vários micróbios ou algas, com preferência por aqueles que contenham mais de 30% de proteína na sua biomassa e que possam proporcionar um equilíbrio saudável de aminoácidos essenciais6. Por serem produzidos através de processos de biorrefinaria, podem ser produzidos praticamente em qualquer lugar nas mesmas condições e com a mesma produtividade.

As microalgas, por exemplo, podem ser usadas em alimentos para aquacultura, embora em quantidades moderadas (como substitutas de proteína). Também podem ser uma fonte sustentável de ácidos gordos ómega-3 de cadeia longa, permitindo a substituição do óleo de peixe7, e algumas opções já estão no mercado8. As biomassas bacterianas também parecem promissoras9, principalmente quando usadas para reciclar resíduos10,11.

Isto não significa que os ingredientes tradicionais não continuarão a ser usados ​​no futuro. De facto, há espaço para um uso sustentável desses ingredientes, e também aqui a biotecnologia pode ajudar. Os ingredientes vegetais têm sido suplementados com enzimas para melhorar a sua digestibilidade em dietas para aquacultura, e novos produtos são desenvolvidos regularmente12. Novos aditivos, suplementos de aminoácidos de libertação lenta e compostos bioativos são usados ​​para melhorar a digestibilidade de nutrientes pouco disponíveis e o desempenho das dietas, e cientistas e produtores de alimentos trabalham em conjunto para desenvolver novas alternativas.

Não haverá uma resposta única

Inevitavelmente, vamos utilizar uma mistura destes diferentes ingredientes e estratégias para atingir a melhor solução para cada desafio específico. A indústria está interessada em testar novos ingredientes13, mas o aumento da escala de produção é fundamental para garantir a sustentabilidade económica14. E todos estes avanços só são possíveis porque começamos a usar abordagens biotecnológicas para resolver os desafios da alimentação animal e humana que o nosso planeta enfrenta. No futuro, esperamos que o equilíbrio entre alimentar o pescado que comemos e proteger o meio ambiente não seja tão crítico, justamente porque implementámos estratégias inteligentes de nutrição de precisão, minimizando o nosso impacto ambiental.

Referências:

1. https://www.farm-europe.eu/our-works/resilience-en/will-old-remedies-rebalance-a-longstanding-eu-feed-protein-deficit/

2. https://www.grandviewresearch.com/industry-analysis/edible-insects-market

3. https://www.marketresearchfuture.com/reports/insect-protein-market-6094

4. Smetana et al, 2019. Sustainable use of Hermetia illucens insect biomass for feed and food: Attributional and consequential life cycle assessment. Resources, Conservation and Recycling 144: 285-296.

5. Hua, 2021. A meta-analysis of the effects of replacing fish meals with insect meals on growth performance of fish Aquaculture 530: 735732.

6. https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fmicb.2017.02009/full

7. https://www.globalseafood.org/advocate/potential-for-production-of-highly-valuable-pufas-from-microalgae/

8. https://www.veramaris.com/home.html

9. https://www.globalseafood.org/advocate/microbial-feed-ingredient-performs-well-in-trial-trout-diet/

10. https://www.globalseafood.org/advocate/start-up-raises-20m-to-advance-technology-that-converts-methane-to-aquafeed/

11. https://issuu.com/aquafeed.com/docs/aquafeed_0122_pr_no_bleed/32

12. https://upin.up.pt/pt-pt/tecnologias/enzyme-rich-additive-and-use-thereof-improvement-aquafeeds

13. https://www.globalseafood.org/advocate/report-more-norwegian-salmon-feed-producers-are-using-novel-fish-feed-ingredients/

14. https://www.globalseafood.org/advocate/biotech-entrepreneurs-the-need-to-scale-up-and-adopt-novel-aquafeed-ingredients-is-urgent/

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