Pegada Hídrica e Avaliação do Ciclo de Vida: Estratégias para a Sustentabilidade no Uso da Água
O ano de 2024 foi marcado por eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes e intensos. Pela primeira vez, a temperatura média global superou os 1,5ºC em relação ao período pré-industrial, e o ano de 2025 promete estar entre os três anos mais quentes já registados (C3S, 2024). As alterações climáticas intensificam os desafios relacionados com a escassez de recursos hídricos, provocando secas severas, mudanças nos padrões de precipitação, derretimento de glaciares e redução da cobertura de neve em cadeias montanhosas. Menos de 3% da água do mundo é doce (potável) que desses, 2,5% estão congelados nas regiões árticas, antárticas e glaciares. Assim, a humanidade deve contar com apenas 0,5% para todas as necessidades de água doce da humanidade e ecossistemas (UN-Water, 2021). Este cenário evidencia a necessidade de ferramentas eficazes para a gestão sustentável da água.
A pegada hídrica é uma métrica essencial para quantificar o impacto do uso da água em processos produtivos e em toda a cadeia de valor (Hoekstra, 2003), que se divide em três categorias: água azul (superficial ou subterrânea), água verde (proveniente da chuva e armazenada no solo, utilizada pelas plantas) e água cinzenta (volume necessário para diluir poluentes e atender a padrões de qualidade). Quando integrada na Avaliação do Ciclo de Vida (LCA), esta análise torna-se ainda mais robusta, pois considera não apenas o consumo direto e indireto da água, mas também a sua disponibilidade regional e impactos na biodiversidade.
A aquacultura surge como uma alternativa mais sustentável para responder à crescente procura global por proteína. Mas apesar de ser uma das indústrias alimentares de crescimento mais rápido no mundo e desempenhar um papel crucial na segurança alimentar global, o seu desenvolvimento também apresenta desafios (FAO, 2024). A pegada hídrica na aquacultura está relacionada não apenas com o uso direto da água nos sistemas de cultivo, mas também com a produção de rações e a gestão de efluentes.
A produção de peixe em Sistemas de Recirculação Aquícola (RAS) oferece vantagens ambientais significativas em comparação com a produção de animais terrestres, incluindo bovinos, suínos e aves. Os sistemas RAS reutilizam continuamente a água, reduzindo drasticamente o seu consumo em relação a outros métodos de aquacultura e à produção de proteína animal terrestre em geral. Enquanto a pegada hídrica da produção de peixe em RAS ronda os 400 litros por quilograma de peixe, a carne bovina pode exigir mais de 15.000 litros por quilograma, considerando o uso direto e indireto da água para irrigação de pastagens e produção de rações (Water Footprint Network). Esta disparidade deve-se, principalmente, ao ciclo de vida mais longo do gado e à grande necessidade hídrica para a manutenção das pastagens. Além disso, outras métricas de sustentabilidade, como emissões de gases com efeito de estufa e uso do solo, também favorecem a aquacultura sustentável como uma opção mais eficiente, especialmente em regiões onde a água é um recurso escasso.
Para mitigar os impactos citados é fundamental adotar soluções inovadoras, como a formulação de rações com ingredientes de menor impacto hídrico e circulares (e.g., coprodutos agroindustriais ou insetos), o uso de tecnologias para monitorização em tempo real da qualidade da água e controlo da libertação de nutrientes, além da integração de organismos de diferentes níveis tróficos na produção, como ocorre na aquacultura multitrófica integrada (IMTA). Este modelo, ao combinar peixes, algas e moluscos, otimiza a utilização de recursos e reduz os impactos ambientais.
A integração da pegada hídrica com a Avaliação do Ciclo de Vida (LCA) representa um avanço significativo para a gestão sustentável da água. No entanto, a implementação destas abordagens ainda enfrenta desafios, como a dificuldade na obtenção de dados precisos ao longo de toda a cadeia produtiva, a falta de normas globais para medição e certificação da pegada hídrica e a necessidade de maior sensibilização e incentivo para a adoção de práticas sustentáveis por parte dos produtores e consumidores. Para superar estas barreiras, é essencial que governos, indústrias e comunidades trabalhem em conjunto na implementação de soluções sustentáveis, assegurando um futuro mais resiliente para os recursos hídricos globais.
