News“Oh Não!” Afinal é Mito!

“Oh Não!” Afinal é Mito!

Laboratório Colaborativo para a Bioeconomia Azul lança campanha para esclarecer mitos em torno da aquacultura portuguesa e europeia a propósito do Dia Europeu do Mar, que se assinala esta quinta-feira.

Quantas vezes ouvimos dizer que “o peixe de aquacultura é menos saudável e tem menos ómega-3 do que o selvagem”? Ou que “o peixe de aquacultura não sabe tão bem como o peixe selvagem, e que não tem ‘sabor a mar’”? Ou ainda que “o peixe de aquacultura é tratado com muitos antibióticos e é alimentado com farinhas”? Estes são alguns exemplos dos mitos em torno do pescado de aquacultura que o Laboratório Colaborativo para a Bioeconomia Azul (CoLAB B2E) quer esclarecer com a campanha “Oh Não!” Afinal é Mito!, lançada hoje, a propósito do Dia Europeu do Mar, que se comemora esta quinta-feira, 20 de maio.

Portugal é terceiro maior consumidor de pescado do mundo e o maior da União Europeia, com um consumo de cerca de 60 kgs per capita. No entanto, a nível europeu, apenas 10% do consumo provém de aquacultura da EU. “A aquacultura nacional é de uma qualidade, frescura e segurança excelentes e muitos de nós convivem há anos com mitos que perpetuam ideias totalmente contrárias à realidade. Os produtos da aquacultura portuguesa são muito saudáveis e nutritivos, são produzidos de forma sustentável, utilizam processos amigos do ambiente e promovem o bem-estar animal”, revela a Coordenadora Técnico-Científica do CoLAB B2E, Elisabete Matos.

A campanha está disponível no website e nas redes sociais do CoLAB, Facebook, LinkedIn e Instagram ao som do fenómeno de vídeos de memes do Tik Tok “Oh No”, um remix do artista Kreepa. Faz também parte do compromisso do B2E inserido na campanha “Make Europe Blue” (#MakeEUBlue), lançada pela Coligação Europeia do Oceano (EU4Ocean), para assinalar o Dia Europeu do Mar, e que envolve várias instituições europeias.

Os Grandes Mitos da Aquacultura Nacional

Existem pelo menos quatro grandes grupos de mitos à volta dos produtos de aquacultura, relacionados com: a qualidade e nutrição; a produção, alimentação e impacto ambiental; antibióticos e outros compostos nefastos e, por último, com a origem, revela o CoLAB B2E, um dos 35 laboratórios colaborativos nacionais criados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e acompanhados pela Agência Nacional para a Inovação.

“É importante referir que a aquacultura não é equivalente em todo o mundo. Um peixe produzido em Portugal – e na Europa – vive de acordo com um conjunto de leis, regras e regulamentações bem estabelecidas desenvolvidas de forma a garantirem a proteção ambiental, a qualidade da água, a segurança alimentar e a proteção da saúde pública, sendo, portanto, perfeitamente seguro”, acrescenta Elisabete Matos.

Qualidade e Nutrição

Mito – O peixe de aquacultura é menos saudável e tem menos ómega-3 do que o selvagem.

Tal como acontece com o selvagem, o peixe de aquacultura dá-nos muitos nutrientes: é rico em vitaminas A e D, minerais importantes (iodo, zinco, magnésio, ferro, selénio) e possui baixos níveis de colesterol, juntamente com proteínas altamente digeríveis. É, no entanto, muito mais rico em gordura que o pescado selvagem, gordura essa que contém nada mais nada menos que os desejados ómega-3, que tanto bem nos fazem. Na verdade, a quantidade de ómega-3 encontrada no peixe de aquacultura é geralmente superior à encontrada em peixes selvagens.

Mito – O peixe de aquacultura não sabe tão bem como o peixe selvagem, não tem ‘sabor a mar’ e tem muita gordura.”

A maioria dos consumidores portugueses não consegue distinguir entre peixe de aquacultura e peixe selvagem. Um estudo da Deco Proteste onde foram feitas provas cegas com espécies de aquacultura e os seus equivalentes selvagens, em 2001, mostrou que, na maioria das espécies estudadas (dourada, robalo e pregado), a preferência dos portugueses era aleatória, com cerca de 50% a preferir pescado de aquacultura e os restantes selvagem, o que denota que não fazem a distinção. Já no caso da truta, 80% dos portugueses preferiram o peixe de aquacultura ao selvagem – o que possivelmente ocorre devido à maior percentagem de gordura, que torna o peixe mais suculento. À mesa, é muito frequente os portugueses consumirem pescado de aquacultura, aparentemente sem o saberem.  

“Mas vivem presos em jaulas ou aquários!”

O peixe de aquacultura portuguesa tem uma vida digna, com espaço para nadar e caçar, e o seu ambiente é controlado para que a sua qualidade não seja afetada. As condições ambientais de cultivo do peixe e qualidade da água são monitorizadas frequentemente, desde a maternidade, onde nasce, até à sua pesca. 

Desengane-se se acha que o peixe de aquacultura portuguesa se sentiu enclausurado. As densidades utilizadas em produção são pensadas para maximizar o bem-estar animal, já que na maioria das vezes estamos a falar de espécies que formam cardumes e que já se agrupam naturalmente. A aquacultura de peixes em Portugal é feita em regime semi-intensivo ou intensivo, isto é, com densidades de animais por metro cúbico de água de 4-5 kg/m3 e cerca de 35 kg/m3, respetivamente. O peixe tem espaço para se exercitar e para expressar o seu comportamento natural. 

Produção/Alimentação/ Impacto Ambiental

Mito – “O peixe de aquacultura é alimentado com farinhas.”

Estes peixes são alimentados com ração específica e não são farinhas. É ração em forma de grão, composta por diversos ingredientes, que foram testados e selecionados para garantir que aquela espécie específica cresça da melhor forma e garantindo a melhor qualidade e sabor. Os principais ingredientes utilizados são proteína e óleo de peixe, proteínas e óleos vegetais (soja, colza, milho), e coprodutos da indústria agroalimentar, também ricos em proteína e gordura. A maior parte das espécies que produzimos na Europa são carnívoras e, como tal, não precisam de hidratos de carbono na dieta. 

“Mas dão peixe ao peixe e isso não é sustentável.

Tem toda a razão: alimentar o peixe de aquacultura com peixe selvagem não é sustentável. É por isso que as quantidades de proteína e óleo de peixe de origem selvagem usados em aquacultura estão a diminuir e aquacultores e produtores de alimento para peixe há já alguns anos que utilizam ingredientes mais sustentáveis nas dietas, como por exemplo utilizando coprodutos da indústria conserveira. “Para onde acha que vão as cabeças das sardinhas em lata que consome?”, questiona Elisabete Matos. Outros ingredientes utilizados são sementes oleaginosas e leguminosas, ricas em proteínas e gorduras, sendo já possível substituir os ingredientes marinhos de origem selvagem em 100%.

“Dar soja e outras plantas aos peixes também não é sustentável.”

Verdade: por isso a aquacultura anda de mão dada com a ciência e a inovação, para que investigadores encontrem novas fontes nutricionais (como microalgas, bactérias, insetos, coprodutos de peixe, entre outros, de preferência seguindo os princípios da economia circular, uma tendência de futuro de que é exemplo esta publicação), que providenciem os mesmos nutrientes essenciais necessários para o desenvolvimento de todos os animais, incluindo vitaminas, minerais, ácidos gordos e aminoácidos. 

No entanto, note-se que todos os animais necessitam de ser alimentados e os peixes de aquacultura são mais eficientes a converter alimento em proteína para consumo humano do que qualquer outro animal produzido, como vacas ou porcos (como pode verificar aqui).

Antibióticos/ Outros compostos nefastos

Mito – “Os peixes de aquacultura estão cheios de antibióticos e hormonas.”

Oh Não! As rações não têm antibióticos nem estão cheias de hormonas e contaminantes. Os ingredientes utilizados na formulação de dietas são sujeitos a testagem regular e motorizados de forma a evitar contaminações. A utilização de antibióticos de forma preventiva foi banida na UE em 2006 e quando é necessário, por razões clínicas, dar antibiótico aos peixes, este processo é feito por um veterinário certificado, utilizando o mínimo possível e permitido por lei. Após o tratamento com antibiótico, o peixe passa por um processo de “quarentena obrigatória”, ficando retido durante o tempo necessário para que todos os vestígios de antibióticos que poderiam encontrar-se no corpo desapareçam, e só então, depois deste período, é que o peixe poderá ser pescado para consumo humano. De facto, a DECO tem analisado amostras de peixes de aquacultura e não tem detetado quaisquer antibióticos (veja aqui, ao minuto 29).

E acrescentamos, em aquacultura, a ciência e a inovação têm dado largos passos para o desenvolvimento de métodos alternativos ao uso de antibióticos, como as vacinas, às quais se deve o sucesso do cultivo de algumas espécies em aquacultura. Quanto às hormonas, não é permitida a utilização de hormonas na produção animal em toda a UE, em nenhum tipo de produção animal desde 1981. 

Mito – “Mas essas rações devem ter qualquer coisa, porque os peixes crescem mais rápido que os peixes do mar.”

Ao contrário do que se passa em mar aberto, em que o alimento disponível varia consoante a época do ano e as condições climatéricas, em aquacultura o peixe é alimentado com regularidade, o que explica o crescimento mais rápido. É verdade que o produtor quer colocar o peixe no mercado o mais rapidamente possível. Mas será a qualquer custo? Se o peixe não for bom, ninguém o compra e o negócio deixa de ser rentável. É por isso que se dão ao peixe dietas desenvolvidas especificamente para aquela espécie e estádio de desenvolvimento. Aliás, até se modifica a composição da dieta para que o peixe se adapte melhor a determinadas condições naturais ambientais – cada vez mais frequentes com as alterações climáticas. Um exemplo são as dietas específicas para a dourada no Inverno, já que esta espécie é muito sensível às baixas temperaturas e necessita de suporte nutricional e imunológico durante este período, para evitar patologias. Tudo é feito em prol do melhor crescimento e desenvolvimento do animal. Uma dourada de aquacultura portuguesa demora em média 18 a 24 meses a atingir 400g. Um peixe com mais de um quilo pode demorar 3-4 anos a atingir esse peso, sendo que o crescimento vai depender da temperatura da água.

Mito – Os peixes de aquacultura são abatidos com muito sofrimento.

Nas aquaculturas portuguesas, quando o peixe é pescado é feito um cerco e os peixes são retirados através de redes e imediatamente colocados numa mistura de água com gelo, entre 0-2ºC. O choque de temperatura anestesia o peixe, levando a que o processo seja praticamente indolor e relativamente rápido, com a morte a ocorrer ao fim de 30 minutos. Na pesca tradicional, o peixe não é abatido desta forma, e morre por asfixia, o que pode demorar algumas horas. Os peixes são considerados seres sencientes (sensíveis e conscientes) com a capacidade de sentir dor e experimentar sofrimento. Durante as últimas décadas, foram realizadas diversas investigações na UE em relação ao bem-estar dos peixes durante a sua produção e abate. O manuseamento correto do peixe em aquacultura é desafiador, uma vez que diversos fatores afetam os indivíduos e as espécies de forma diferente. Por exemplo, no caso do salmão, uma espécie de águas frias, o abate em mistura de água e gelo é ineficaz, e usam-se outros métodos de insensibilização, como o choque elétrico ou percussivo (usados em animais terrestres também, como o frango, suínos e bovinos). É essencial ter pessoal experiente e altamente treinado nas aquaculturas, que se responsabilize pelos peixes e pelo seu bem-estar, de forma a minimizar os possíveis riscos (como stress e lesões) associados a algumas práticas atualmente utilizadas. É também absolutamente necessário que a exposição ao ar seja reduzida ao mínimo, sendo necessário fazer mais investigação para desenvolver métodos de pré-abate e abate que evitem o stress dos animais. 

As boas práticas vão refletir-se naquilo que mais gostamos no peixe: o elevado valor nutricional e o sabor excelente.

Mito – O peixe de aquacultura não é sustentável e não é tão fresco quanto o selvagem.

O ideal é que os produtos de aquacultura que chegam à mesa dos portugueses sejam nacionais ou europeus. Além da origem ser importante, ao consumir pescado local contribuímos para o equilíbrio e sustentabilidade da balança comercial (atualmente cerca de 65% do pescado consumido na UE é importado). Certo é que qualquer importação de produtos alimentares para a UE segue regras rigorosas de controlo de segurança alimentar e, na sua origem, a produção tem de seguir os padrões de exigência devidamente regulamentados. Ainda assim, a aquacultura portuguesa, é ecologicamente mais sustentável e, por proximidade, chegará ao mercado em menos de um dia. Mais fresco do que isto não há. Além disso, ao consumir produtos de aquacultura portuguesa estará a contribuir para a diminuição da tão falada pegada de carbono e, consequentemente, a contribuir para um futuro melhor.

Mas em aquacultura não se produz apenas peixe. Algas, mexilhões, ameijoas e ostras podem ser de aquacultura. E não são alimentados com nada: são filtradores e alimentam-se dos nutrientes existentes na água. Não há produção mais sustentável.

Drag View